É inegável que melhoramos muito desde a realização da primeira endarterectomia. Na década de 60 a morbimortalidade de se operar uma carótida era mais de 20%. Nos últimos anos, o aumento da prescrição de estatinas, antiagregantes e anti-hipertensivos em conjunto com melhores técnicas cirúrgica e anestésica nos levou a redução de mais de dois terços dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) no perioperatório. Atingimos a taxa excepcional de 1% de AVC e óbito em 30 dias.
Atualmente, a expectativa sobre a endarterectomia carotídea suplanta a prevenção de AVC. A estenose carotídea pode ser fonte de embolias silenciosas e de alterações hemodinâmicas que contribuiriam para disfunções cognitivas e desenvolvimento de demências,reafirmando a importância da revascularização e do restabelecimento da hemodinâmica cerebral.
Embora tenhamos atingido esse desempenho excelente, a comparação com os resultados do tratamento clínico, especialmente nos assintomáticos, exige que, ao operarmos uma carótida nossos resultados sejam capazes de superar os benefícios do tratamento clínico.
Conforme a última diretriz europeia, na maior parte das vezes a escolha da variante técnica pode ficar a critério do cirurgião, de acordo com suas habilidades, sem que haja prejuízo no resultado. Isto acontece para: o tipo de anestesia, o tipo de incisão, o uso de eversão ou técnica standard, o uso seletivo ou rotineiro de shunt. A única variável que impactou os desfechos imediatos e em longo prazo foi a arteriorrafia com interposição de remendo, que se mostrou superior à arteriorrafia primária.
O tipo de anestesia se geral ou locorregional, conforme vários estudos recentes, não influenciou as taxas de AVC e óbito em 30 dias, embora cada modalidade tenha vantagens e desvantagens. Mas, na prática, podemos observar que mais de 80% dos cirurgiõespreferem operar com anestesia geral e cerca de 10% dos pacientes recusam a anestesia locorregional. Dessa forma, se operar com anestesia geral é uma preferência majoritária, temos que elaborar meios de transformá-la em um procedimento ainda mais seguro. Infelizmente ainda não temos uma ferramenta ideal para detectar isquemia de pinçamento e ser utilizada como critério de indicação de shunt quando o paciente está sob anestesia geral.
A grande vantagem da anestesia locorregional é usar a melhor ferramenta de monitorização da perfusãocerebral que dispomos que é a consciência. No entanto,pode se perder qualidade técnica em nome de se fazer um procedimento mais rápido quando o paciente estiveracordado. Nessa situação, utilizamos menos shunt o que pode ser benéfico, mas também, utilizamos menos remendo, com o objetivo de fazer uma sutura mais rápida, o que pode ser bastante arriscado e contrariar as recomendações para obtermos os melhores resultados. Da mesma forma, o risco se eleva diante de uma isquemia de pinçamento em que há necessidade de garantir a via aérea e inserir um shunt com rapidez. O controle hemodinâmicotambém pode ser mais trabalhoso quando o pacienteestiver acordado.
Minha preferência é garantir um procedimento com a máxima qualidade técnica e operar sob anestesia geral. E dentro das modalidades de anestesia geral, a técnica endovenosa total com alvo controlado traz algumas vantagens relevantes:
1. Menor dose de anestésico e despertar controlado e rápido
2. Mínima influência sobre a hemodinâmica cerebral em comparação com a anestesia inalatória com uso de halogenados.
3. Proteção do tecido cerebral por redução do metabolismo
4. Controle hemodinâmico mais preciso
5. Conforto para o paciente
6. Conforto para o cirurgião e tranquilidade para executar o procedimento
Os cirurgiões que operam seus pacientes sob anestesia geral podem optar por nunca usar shunt, usar sempre ou usar se for necessário. Sabendo que o pinçamento carotídeo deflagra mecanismos compensatóriosanatômicos e funcionais com variedade de conexões entre os vasos cervicais o polígono de Willis e o sistema vertebro basilar. No entanto, somente 50% da populaçãoapresenta um polígono completo. A pressão arterial influencia diretamente a capacidade de se manter fluxo fora da zona crítica, mas a hipertensão pode trazer consequências deletérias para pacientes já com múltiplascomorbidades. Quando recrutamos esses mecanismos, a intolerância ao pinçamento pode variar de 5 a 30% dos casos.
Há várias ferramentaspara monitorizar a perfusãocerebral durante o pinçamento (pressão de refluxo na carótida interna; eletroencefalograma; doppler transcraniano e oximetria tecidual), mas nenhuma delas,isoladamente, é eficiente para identificar a isquemia de pinçamento no paciente sob anestesia geral. Na minha rotina, até recentemente eu utilizava alguns critérios empíricos e por mim estabelecidos, considerando a fisiopatologia da isquemia de pinçamento, para utilizar shunt. O uso desses critérios (oclusão ou estenose contralateral; polígono incompleto, tempo de pinçamento prolongado além de 30 minutos; AVC há menos de 30 dias) resultava em uma taxa de uso de shunt de 36%, o que podemos considerar elevada quando comparada a taxa de 10% de uso em pacientes operados sob anestesia locorregional. Como a inserção de shunt não é isenta de complicações (lesão endotelial e embolias, que podem ocorrer em 1 a 3% dos casos), recentemente, adoto um outro protocolo com dupla monitoração por meio demedida do índice bispectral (BIS monitor de atividade cerebral) e de medida oxigenação tecidual cerebral por raios infravermelhos (NIRS – Foresight®). Com esse protocolo, que está em estudo, ainda com amostra pequena, já reduzi minha taxa de shunt a 20%. Continuamos em busca de um equilíbrio para melhorar a qualidade técnica e aumentar a segurança das endarterectomias carotídeas.
Marcia Maria Morales
Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1996). Residência Médica em Cirurgia Geral (1997-1999) e Cirurgia Vascular (1999-2001) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular pela Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (2001). Com certificado de Atuação na área de Angiorradiologia e Cirurgia Endovascular pela Associação Médica Brasileira e Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem e Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (2005). Com Certificado em Area de Atuação em Ecografia vascular com Doppler (2016). Membro titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (2008). Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- Universidade de São Paulo – USP (2009).Médica assistente responsável pelo grupo de Patologias da Carótida do INVASE – Serviço de Estágio em Cirurgia Vascular reconhecido pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (2010). International membership in the Society of Vascular Surgery (2013).Professora colaboradora do Serviço de Residência Médica em Cirurgia Vascular e Endovascular Hospital Israelita Albert Einstein -SP- (2018). Professora da pós-graduação Albert Einstein-SP-(2020). Pós doutorado na USP Ribeirão (2024).
Uma resposta
Parabéns a Dra Márcia Morales pelo
Artigo claro e conciso para colegas e pessoas interessadas pelo assunto
No meu entendimento a anestesia loco regional supera em muitos parâmetros a anestesia Geral para a realização da Endarterectomis carótidea por qualquer técnica! O simples fato de se observar em tempo real a intolerância ao clamo Por si só já justifica o método além de se utilizar o Shunt nos casos estritamente necessários!